Sobre a Greve
O historiador Daniel Aarão Reis - Agência O Globo
|
Prezados, saúde e paz,
conforme disse em sala de aula, aqui vão algumas reflexões sobre o movimento
grevista que ora se anuncia na Universidade Federal Fluminense e em outras
universidades públicas.
Vivemos hoje, e tudo
indica que viveremos nos próximos anos, tempos difíceis do ponto de vista das
relações entre governo e educação, em geral, e entre governo e universidades
públicas, em particular. A presidenta, uma vez eleita, e ao contrário de tudo o
que prometera na campanha que a elegeu, resolveu definir como política de
"saída de crise" um conjunto de propostas que se assemelham em tudo e
por tudo ao que seus adversários queriam realizar. Como em muitos países do
mundo, vem por aí um "ajuste", cujo custo será pago pelos
trabalhadores e pelas camadas populares. A cartilha já foi aplicada na Europa e
em outras partes do mundo. O resultado? Menos e mais precários serviços
públicos, menos e mais precários direitos sociais, menos e mais precárias
perspectivas para a melhoria do padrão de vida das grandes maiorias.
As Universidades Públicas
sofrerão, já estão sofrendo, o impacto deste "ajuste" – verbas
"contingenciadas", ou seja, cortadas; salários congelados ou, no
melhor dos casos, reajustados abaixo da inflação, cujos índices são maquiados.
Nem preciso falar dos resultados, eis que são visíveis a olho nu.
Para enfrentar, e superar
positivamente, as ameaças, vai ser preciso muito conversar e debater, e lutar,
para lidar com esta conjuntura que se anuncia de "vacas magras"
(podem por magreza nisto). Para isto, a universidade deve continuar
funcionando, viva.
Entretanto, como de sua
tradição, as entidades de professores, funcionários e estudantes voltam a
propor a sua cantiga de uma nota só: "vamos à greve˜!
A proposta é anunciada,
discutida e decidida por pequenas minorias de ativistas iluminados, sem
representatividade, concentradas em assembleias não precedidas de reuniões
locais ou setoriais (departamentos, institutos, etc.). Carecem, portanto, de
legitimidade. Trata-se também de um dispositivo tradicional, que isola as
entidades de suas bases sociais. Para uma luta de longo fôlego, como a que
teremos pela frente, não é um bom começo.
Mas não me oponho a esta
greve, como me opus a outras, apenas por estas considerações, já bastante
relevantes em si mesmas.
O que me parece também
muito importante é que, nesta greve, como em outras, do passado, apenas são
penalizados os cursos de graduação. Só param, quando param, as aulas dos cursos
de graduação. As pesquisas continuam a todo o vapor. Os Programas de
Pós-Gradação, também. Continuam sendo escritos artigos e livros, apresentados
em Congresso não adiados, ou desmarcados. Projetos financiados continuam a ser
implementados. É tão evidente que chega a ofuscar: só param mesmo os cursos de
graduação.
O prejuízo seria, porém,
concebível, se a forma de luta adotada fosse eficaz. Mas não é. Quem não se
lembra da paralisação da semana passada? Onde vingou, o que tivemos? Uma
universidade deserta, sem viv’alma, fechada. Debate? Zero! Discussão? Zero.
Capacidade de pressão? Nula.
A verdade é que, como já
foi demonstrado em muitos outros momentos, a situação do sistema educacional
torna-se assunto "público", e se realizam pressões efetivas em prol
de medidas positivas para a educação pública, quando estudantes, professores e
funcionários conseguem ir para as ruas, apresentando à sociedade suas
reivindicações, impondo-se, pelo seu movimento social, à atenção das gentes e à
agenda dos governos. A greve nos serviços públicos é uma infeliz mimetização
dos movimentos operários, ou dos segmentos que trabalham nos setores
produtivos. Ao invés de prejudicar os patrões, prejudica apenas e tão somente
os usuários dos serviços, no nosso caso, os cursos de Graduação.
A greve, "por tempo
indeterminado", não qualifica o debate, anula-o; não acumula forças,
dispersa-as; não concentra, fragmenta e pulveriza; não fortalece, enfraquece.
Não é uma forma de luta
consequente e por isso deve ser evitada e rejeitada. Só é razoável concebê-la
em momento ou dias de manifestação. Aí, sim, ela pode se justificar. Parar
aulas e cursos, e redação de artigos e provas, para ir às ruas, protestar
nelas, agitando, politica e culturalmente, a sociedade.
Acresce ainda, e
finalmente, uma última razão. É que os grevistas do serviço público no Brasil,
pelo absoluto descaso com que são estes últimos tratados pelos governos, têm
seus salários regularmente pagos no fim de cada mês, estejam ou não
trabalhando. Como já disse em outros momentos, se os trabalhadores do mundo
soubessem que é possível fazer greve ganhando salários...ai do Capitalismo, não
haveria um que não paralisasse imediatamente o trabalho.
Por todas estas razões,
prezados, continuarei oferecendo meus cursos. Se a universidade estiver
fechada, trabalharemos nos gramados do campus, com belas vistas para o mar e
para as montanhas. Reconhecerei o direito dos estudantes que divergem destas
considerações e não computarei suas faltas, oferecendo-lhes, quando, e se
voltarem, às aulas, avaliações de conhecimentos apropriadas. Mas informo, desde
já, que não pretendo repor aulas. Por duas razões: porque elas terão sido
dadas, e por não acreditar na eficácia da reposição, mesmo quando ela se
realiza, o que não é sempre o caso, infelizmente.
Divulgarei o presente
texto para minhas bravas turmas e para os professores de História. É livre,
naturalmente, sua divulgação.
Que todos façam o que
lhes ditarem as próprias consciências.
Quanto a mim, como disse
um velho revolucionário em momentos de incerteza: Dixi, et salvavi animam meam (Disse, e salvei a minha alma).
Daniel
Saludos,
Daniel Aarão Reis
Professor de História Contemporânea
Universidade Federal Fluminense
21 de maio de 2015
Leia mais sobre esse
assunto em
http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/daniel-aarao-reis-afirma-que-greve-federal-nao-legitima-16249463#ixzz3mmjPfLsx
© 1996 - 2015. Todos
direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material
não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído
sem autorização.